quinta-feira, 20 de novembro de 2008

José Saramago, bem antes do Prêmio Nobel

JOSÉ SARAMAGO, BEM ANTES DO PRÊMIO NOBEL

Antonio Carlos Rocha*

O sol estava frio, naquela manhã de inverno em Lisboa, fevereiro de 1980. Entro numa tasquinha (como os portugueses costumam chamar os seus botequins) e encontro com a escritora e crítica literária Maria Lucia Lepecki, brasileira, mineira, radicada em Portugal, desde a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974. Ela também é professora titular de Literatura Portuguesa da Universidade Clássica de Lisboa.

- Ainda bem que vocês apareceram ! Que tal hoje à noite irmos à Casa do Alentejo, vai ter o lançamento do livro do Saramago.

Sentamos eu e minha mulher, nossa filha Vera ainda repousava no ventre de Heloisa, em pose fetal curtia os ares lusitanos.

Enquanto tomávamos o café da manhã, Maria Lúcia foi explicando:

- O José Saramago lança hoje o Levantados do chão. Um romance magnífico. Eu li quando estava ainda no original datilografado. É que eu sou muito amiga dele. No começo fiquei apreensiva, pois o livro começa brilhante, de forma inusual, inusitada para as tradicionais letras portuguesas. É uma virada histórica.

Ou como os portugueses costumam falar, uma “viragem”. Podem não ter sido estas as palavras de Lepecki, mas o sentido vale.

À noite, um simpático bondinho ou “elétrico” se preferirem, nos levou até a Casa do Alentejo, em uma ruazinha próxima ao Rossio, no coração da capital.

O ambiente cheio e festivo nos iniciava no lançamento. Na verdade, era um jantar, festa, com discurso e tudo o mais. Tinha até um Coral de Camponeses vindo diretamente do Alentejo, a região do latifúndio antes do 25 de abril e que nessa época, pós-revolução dos cravos, estava recheada de “comunas”, lotes, trechos de terra da Reforma Agrária que eles chamavam de UCPs – Unidades Coletivas de Produção.

No movimentado salão procuro a mesa onde Maria Lúcia nos espera, sentamos e, para surpresa, verifico que era uma mesa comprida e mais alguns lugares vazios. Logo depois chegam os “donos” dos lugares: o primeiro-ministro do 25 de Abril, Vasco Gonçalves e esposa, mais o General Costa Gomes e senhora, líderes do MFA – Movimento das Forças Armadas que derrubou a ditadura salazarista e depois caetanista de 48 anos e ocuparam o primeiro governo revolucionário de Portugal, em pleno século XX. Logo a seguir sentam conosco o poeta Armindo Rodrigues e a estrela da noite, o escritor José Saramago.

Nessa época, a Casa do Alentejo era uma espécie de centro cultural do Partido Comunista Português e significativos nomes da intelectualidade lusitana faziam parte.

No momento em que foi autografar o meu exemplar, Saramago abraçou-me e exclamou: “Ó pá, lá vocês tem uma grande, que muito me inspirou, o Guimarães Rosa”. Retribuindo o abraço, sorri e agradeci.

Na época de Salazar, o Alentejo era uma região muito perseguida, foi lá que o PCP organizou a resistência e os campônios sempre bem articulados, deram muito trabalho à PIDE, a extinta polícia política do ditador. O romance Levantados do chão fala desse tempo, dessa época, desses sonhos, ideais e utopias.

Enquanto a fila de autógrafos aumentava, o Coral dos Camponeses encantou e cantou, desde a Internacional até músicas folclóricas do Alentejo e populares da terra de Camões. Depois, representantes da juventude comunista falaram.

Em dado momento o silêncio se fez e a “doutora”, como era camaradamente chamada, a Maria Lúcia resumiu o que me havia contado pela manhã:

“No começo eu fiquei preocupada, pois era uma inovação literária muito grande, enquanto estava lendo os originais datilografados eu não sabia se Saramago ia ter pique para levar até o fim do romance aquele ímpeto, aquela garra, aquela novidade. E de fato foi”.

Tanto foi, que está aí até hoje, o primeiro Prêmio Nobel da Literatura em Língua Portuguesa.


(*) Antonio Carlos Rocha é doutor em Letras, na UFRJ.

sábado, 1 de novembro de 2008

Poesia

Abaixo o “terrorismo purista”
Pelas Liberdades Gramaticaes
Viva a Lingüística !

Antonio Carlos Rocha

Queridos gramáticos:
Como os senhores bem sabem
Não há jeito que dê jeito
Da gente falar direito.

É tanta regrinha
Impossível gravar
Ninguém mesmo usa
Na hora de falar.

Os senhores também sabem
Que o falar muito varia
De pessoa, de lugar
Da noite para o dia.

Por que essa fixidez?
Normas tão duras !
Não é uma beleza
O falar das ruas?

Seja lá o que for
Fenômeno ou evolução
É falar e ouvir
Criar a oração

Então, essa tal de
Louçania da linguagem
No fundo, no fundo
Me cheira a bobagem

Pois como disse Manuel Bandeira:
“A língua errada do povo.
A língua certa do povo”.

Não me levem a mal, mas
Não sejamos radicaes
Nem tantas, nem tão poucas
Convenções gramaticaes

Gramática e cachaça
É tudo uma coisa só
Queridos senhores
De nós, tenham dó.

Não adianta fardão
Sem ser, erudito,
É o povo quem decide
É só, tenho dito.