segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Poeta do Afeganistão

Rumi (1207-1273) nasceu em Balke. Nessa época a cidade pertencia ao antigo Império Persa, mas hoje é Afeganistão. Rumi era sufi, uma linhagem do Islã, jurista e teólogo.

A poesia abaixo está no livro Depois do Êxtase Lave a Roupa Suja, de Jack Kornfield, editora Cultrix, página 10:

“Ser um ser humano
É uma casa de hóspedes.
Todas as manhãs chega alguém.

É uma alegria que chega,
Uma depressão, uma mesquinharia,
Um dar-se conta momentâneo:
Visitas inesperadas.

Dê as boas-vindas a todos,
Mesmo quando um bando de tristezas
Carrega toda a mobília
Da sua casa.

O pensamento sombrio,
A vergonha, a malícia.
Receba-os na porta sorrindo,
E convide-os para entrar.

Agradeça a quem quer que chegue,
Porque cada um foi enviado
Como um guia do além.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Academia de Letras do Vale do Longá

Fica na cidade de Barras – PI, a bacia do rio Longa abrange 22.643 km e representa 9,02% da área total do estado do Piauí. Reúne 16 municípios. Longa é um rio de correntezas fortes, banha a cidade de Barras, mas não é o rio principal da localidade.

Fundada em 23 de setembro de 1978 a Alval – Academia de Letras do Vale do Longa é bem ativa e recentemente promoveu um almoço como podemos ver na internet. A área de atuação da Academia engloba 38 municípios.

Um de seus prestigiosos imortais é o escritor e professor Dílson Lages Monteiro, autor de vários livros, entre outros, A Metáfora Em Textos Dissertativos. São Estudos Lingüísticos do também poeta Dílson.

Ele vai listando considerações e reflexões sobre a metáfora de restauração, metáfora médica - quando compara a sociedade ao corpo humano; a metáfora de roubo - utilizada em circunstâncias em que o povo tem a liberdade roubada; metáfora de conserto – usada em textos que evocam a noção citada; metáfora de limpeza – empregada para transmitir a noção respectiva; metáforas de percursos – comparam a resolução de um problema a uma jornada; metáfora de percurso em terra – fala geralmente em estradas, encruzilhadas, obstáculos.

E continua: metáfora de percurso no mar, metáfora de cativeiro, de unificação, de parentesco, pastoral, esportiva, metáforas criativas, de construção, de tecelagem, de compositor, de lavrador, metáforas naturais, claro-escuro, metáfora de fenômenos naturais, metáfora biológica etc.

Um livro de bolso bem agradável de se ler.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Fernando Pessoa e o Lankavatara Sutra

Fernando Pessoa não precisa de apresentação, queremos apenas esclarecer que o ilustre poeta da Língua Portuguesa foi tradutor das obras de Helena Petrovna Blvatsky em Portugal, fundadora da Sociedade Teosófica. Uns dizem que ele foi maçom, outros afirmam que ele foi rosacruz, e por que não, teosofista?

Devido à sua familiaridade com os textos do Oriente, deduzimos que ele conhecia o Lankavatara Sutra. É um texto clássico do Budismo, muito reverenciado pelo Mahayana japonês. E foi divulgado, pela primeira vez no Ocidente, pelo grande Daisetz Teitaro Suzuki, no princípio do século 20.

Em determinado trecho o Lankavatara Sutra diz: “Árvores, montanhas, rios, pedras, relva tudo é Buda”. É um sentido total de integração com o ecossistema. Já vi também uma versão que tira a palavra Buda e coloca a palavra Deus. Dá no mesmo, são sinônimas.

Agora veja este belo poema de Fernando Pessoa, onde ele expressa, de forma ímpar, o sentido do Lankavatara Sutra:

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou !

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina).

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes,
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda hora.

- fonte: O Guardador De Rebanhos E Outros Poemas, seleção e introdução de Massaud Moises, co-edição Cultrix/USP, 1988, páginas 93 e 94.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Visualização Poética

Sempre que eu leio, maravilhado, as poesias de Dílson Lages Monteiro, eu me transporto para uma experiência transcendental-literária. É o caso deste belo poema que está no livro O Sabor Dos Sentidos:

Marataoã

O rio corre em meu coração
E separa os sentimentos da areia.

A vaga das água vai
Virando pó em pensamento
E a estrada encurta distâncias.

O rio viaja no horizonte
Onde dançam os cabelos das carnaúbas
E soluçam os olhos do sol.

O rio corre em meu coração
E deságua nas correntezas do caminho.

O autor explica que Marataoã é o rio que banha sua cidade natal, Barras, município localizado a 122 km da capital Teresina, norte do Piauí.

Nossa meditação ecológica permite visualizar mulheres carnaúbas, carnais, carnaubeiras, carnaubais e seus esvoaçantes cabelos dançando aos olhos do Astro Rei, também maravilhado com a beleza dessas deusas-versos.

Os sentimentos do poeta estão de um lado e de outro das margens-areia através do rio-coração que flui, sinuosamente, qual sangue entre veias e artérias.

As correntezas do caminho-vida deságuam no horizonte. É o rio levando para o oceano da existência o fazer poético desse grande escritor.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Vazio = Ser = Deus

“A influência de Heidegger estende-se até ao Japão, país que, desde 1951, possui em Tóquio a Jaspers-Gesellschaft, Associação de Investigação do Existencialismo. Este facto é significativo: a filosofia heideggeriana, orientada para o Ser, este abismo de gratuidade, raiz última do real, apresenta, tanto na sua inspiração como na sua consumação, uma singular afinidade com o Zen. Sem dúvida que não há, segundo Heidegger, filosofia senão no Ocidente. Mas a tese de consumação da metafísica ocidental não vira, definitivamente, esta idéia contra si própria? O Ocidente é a terra do entardecer (Abend-land), onde o pensamento calculador e dominador triunfa sobre o pensamento contemplativo e meditativo. Não será necessário olhar para o Oriente, para esta filosofia que não o é, para reaprender o próprio sentido da filosofia? A meditação oriental do Nada é o horizonte esquecido do pensamento ocidental do ser. Deixemos esta última palavra ao filósofo japonês que, no diálogo Aus dem Gespraech von der Sprache, comenta um texto de Hegel:

“Espanta-nos ainda hoje pelo facto de os europeus poderem equivocar-se ao interpretar de maneira niilista o Nada de que se trata na exposição designada. Para nós, o vazio é o nome mais elevado para aquilo que vós designaríeis naturalmente pela palavra: Ser”.

- os dois parágrafos acima estão no livro O Pensamento de Martin Heidegger, de Jean-Paul Resweber, Livraria Almedina, Coimbra, 1979, página 192.