“Assim, tanto a Religião como a Poesia são formas de revelação do encontro do homem com o sobrenatural, com o que o rodeia e ele não tem olhos para ver, como se diz em várias passagens da Bíblia. A linguagem da Religião está fundada no símbolo, quer dizer, é absoluta, é vertical, de cima para baixo, impositiva; ao passo que a Poesia parte do signo, é horizontal como o discurso e se abre para o imaginário de cada um.
A Poesia é por isso o exercício maior de nossa liberdade de ser: através dela tomamos contato com uma categoria de “sagrado” que não é bem o sobrenatural, mas uma saída do comum, da linguagem comum que nos achata, que nos faz igual a todo mundo, que ilude a nossa individualidade. A liberdade de que falamos está na possibilidade de escolhermos as nossas palavras e de organizá-las segundo o nosso gosto, de investir nelas as significações mais caras às nossas emoções e ao nosso imaginário. Aí está a criação na poesia: o poeta foge da linguagem de todo mundo, ordenando-a de outra maneira, construindo dentro dela o seu cosmo particular, que é o poema, objeto verbal artisticamente estruturado. Nisso ele procede como Deus: parte do caos e da criação para o cosmo do poema e da poesia. Ele também pronuncia, mas para dentro da escrita.
Nesta concepção, o poema provém de um ritmo que passa pelo mais íntimo do poeta, repercute no cosmo cultural e toca, em última instância, o Logos do Criador. Um ritmo que se faz musicalidade para revelar os estados emocionais e inconscientes ainda não tocados pelo sentimento ou pela razão, um ritmo mágico, que fascina como um sortilégio na linguagem, um ritmo sagrado que se torna litania, oração e prece.
Como nada é conclusivo, continuamos em busca de elementos novos para a construção, não definitiva, do que poderá ser um dia uma possível Filosofia da Criação Poética”.
(Gilberto de Mendonça Teles. Sortilégios da criação. Edições Galo Branco, 2005, págs. 61 a 63).
sábado, 16 de fevereiro de 2008
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