“Pode ousar, arriscar, criar, inventar seu estilo; ela tem o seu direito. Pois, se bem que certos homens tenham dito que não haviam pensado no que diziam, e entre os quais é preciso colocar especialmente o que escreve estas linhas, a língua francesa não está fixa e não se fixará.
Não se fixa uma língua. O espírito humano está sempre em marcha, ou, se se quiser, em movimento, e as línguas com ele. As coisas são assim. Quando o corpo muda, como não mudaria a roupa? O francês do século XIX não pode mais ser o francês do século XVIII, tanto quanto este não é o francês do século XVII, tanto quanto o francês do século XVII não é o do século XVI.
A língua de Montaigne não é mais de Rabelais, a língua de Pascal não é mais a de Montaigne, a língua de Montesquieu não é mais a língua de Pascal. Cada uma destas quatro línguas, tomada em si, é admirável, porque é original.
Toda época tem suas idéias próprias; é preciso que tenha também as palavras próprias a estas idéias. As línguas são como o mar, oscilam sem parada. Num certo momento, deixam uma costa do mundo do pensamento e invadem uma outra. Tudo o que suas ondas assim abandonam seca e se apaga do solo. É desta maneira que idéias se extinguem, que palavras se vão. Sucede com idiomas humanos como com tudo.
Cada século traz e leva alguma coisa. Que é que se pode fazer? Isto é fatal. Seria, pois, em vão querer petrificar a móvel fisionomia de nosso idioma sob uma forma dada. É em vão que nossos Josués* literários gritam à língua para que se detenha; as línguas nem o sol não mais se detêm. No dia em que se fixarem, é porque estão mortas”.
(*) Josué, personagem bíblico, do Antigo Testamento. Era o sucessor de Moisés; fez parar o curso do sol, a fim de prolongar o dia e conseguir a vitória durante uma batalha.
(Vitor Hugo, Do Grotesco e do Sublime, Editora Perspectiva, 1988, págs. 71 e 72).
sábado, 13 de outubro de 2007
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