domingo, 16 de dezembro de 2012

Ecomuseu da Amazônia

Ecomuseu da Amazônia


Lembranças e reflexões sobre o IV Encontro Internacional de Ecomuseus e Museus Comunitários em Belém- Pará.

Daisy Aderne Carneiro

“O museu é um espelho onde a comunidade se olha para se reconhecer” Hugues de Varine

Era meia noite de nove de junho deste ano de 2012.

Eu dormia tranquilamente aqui no Leme, onde moro há uns seis anos, telefones fixo e celular bem à mão, a mala já pronta ao pé da cama, para a viagem.

Num sobressalto atendi à tão esperada chamada de Terezinha Resende, boa amiga dos tempos de Laïs e atual Coordenadora do Ecomuseu da Amazonia, agora sediando o IV Encontro Internacional de Ecomuseus e Museus Comunitários, agendado para a semana de 11 a 16 de junho deste ano.

Há alguns meses eu aceitara o convite para representar a família de Laïs Aderne na homenagem que lhe seria prestada durante o evento, uma vez que o Ecomuseu foi uma concepção sua. Confirmei por email minha presença e aguardei, desde então, pois a Comissão Organizadora providenciaria passagens e estadia aos seus convidados.

Agora, só precisei me certificar de todos os detalhes no email e realizar essa empolgante aventura!

Ainda no avião, quase chegando ao Pará, fiquei assustada com a imensidão de água da bacia amazônica! Não dá para imaginar que, pelo menos naquela região, a água possa um dia acabar! Cheguei a pensar que devia estar chovendo muito por lá!

Fui então acumulando surpresas, sempre agradáveis!

A primeira delas foi minha conexão em Fortaleza, minha terra natal. Adorei!

No aeroporto de Belém, encontrei os participantes do evento e Terezinha Resende, nossa anfitriã nos apresentou ao Eráclito, museólogo do Rio Grande do Sul que nos ciceroneou e nos ofereceu sorvetes com sabores típicos, ali mesmo onde tudo me pareceu grandioso e moderno. Aproveitamos para registrar nossa chegada com várias fotos e assim, já íamos nos conhecendo.Todas as pessoas eram de uma amabilidade espontânea e contagiante. Aliás, essa é a característica dos nortistas em geral. Eles são alegres e nas danças típicas extravasam essa alegria toda.

No tradicional, simpático e confortável Hotel Vila Rica onde me hospedei, assim como vários participantes do evento, tive a oportunidade e a satisfação de conhecer e conviver com nomes relevantes da museologia internacional, como o francês Hugues de Varine.

Hugues é membro do Conselho Internacional de Museus e fundador do Ecomuseu Le Creosot-Montceau na França e atuou no Ministério da Cultura da França. Vindo com alguma regularidade aos encontros de museologia no Brasil, Hugues fala português com fluência e fundou o Osdic Consultores, empresa que atua em desenvolvimento de comunidades, que foi uma referencia para Laïs. Sua esposa, Beatrice foi minha companheira de trilhas na floresta, a caminho da localidade de Caruaru. Nós nos comunicávamos em português afrancesado e um pouco em inglês.

Por ocasião do IV Encontro em Belém, Hugues lançou seu livro “Raízes do Futuro” em português, traduzido do francês por Maria de Lourdes Parreiras Horta, a Lourdinha, museóloga a quem fiquei muito ligada, por nossa proximidade no hotel Vila Rica. Lourdinha atuou na direção do Museu Nacional de Belas Artes e no Museu Imperial de Petrópolis e contribuiu de forma importante na museologia nacional.

Tive a grata satisfação de estar ao lado do grande teólogo Leonardo Boff e sua esposa, Marcela Miranda. O livro de Leonardo Boff, O Tao da Libertação, lançado em 2010 ganhou nos Estados Unidos a medalha de ouro na área de Nova Ciência e Cosmologia. Sua participação na minha formação holística na primeira turma da UNIPAZ de Curitiba foi muito importante, assim como as influências de Pierre Weill, Jean Yves Leloup e outros.

Tivemos ainda a oportunidade de assistir a apresentações extraordinárias de participantes brasileiros. A apresentação que mais gostei foi da Consciência Negra 13 de Maio, de Santa Maria, Rio Grande do Sul (clubessociaisnegros.com.br), feita pela Giane.

No dia da abertura do encontro a Secretária Municipal de Educação e Presidente da Fundação Escola Bosque Professor Eidorfe Moreira/Funbosque Profa. Terezinha Gueiros apresentou a biografia de Laïs Aderne, que concebeu a idéia e deu início ao movimento de desenvolvimento comunitário com ênfase nos fazeres e saberes da memória coletiva. Neste momento, fiquei muito emocionada e aguardo o envio de uma cópia da sua fala.

Uma das diretrizes eficazes para o sucesso do Ecomuseu da Amazonia é, além da determinação e eficiência de sua Coordenadora Terezinha Resende, é a parceria com a Secretaria Municipal de Educação, a Coordenadoria do Desenvolvimento Comunitário/CDC e o Projeto AMA com Ação Voluntária e Participativa. Entre elas, a Ecoescola Municipal Laïs Aderne que fica no bairro de Paracuri, e que tive a satisfação de conhecer. onde a Profa Terezinha Gueiros não mede esforços no exercício de suas funções para a realização das numerosas e grandes obras que tanto favorecem aquela população.

A parceria do Ecomuseu da Amazonia com a Fundação Centro de Referência em Educação Ambiental, Escola Bosque Professor Eidorfe Moreira, “Funbosque”, possibilitou ao Ecomuseu estabelecer sua sede na ilha de Caratateua, ou Outeiro, como é mais conhecida, a 35 km de Belém, numa bela e rica área de floresta tropical secundária, com 120 mil m2 (12 hectares). Por ali transitam centenas de alunos distribuídos, na sede e nas outras sete unidades pedagógicas, do Jardim 1 ao Ensino Médio Profissionalizante – Curso Técnico em Meio Ambiente. Na sede do Ecomuseu vi a foto de Laïsem destaque. Uma nova sede está sendo construída ali mesmo.

Todo o entorno da sede do Ecomuseu da Amazonia e da Funbosque pode ser percorrido por caminhos impecavelmente limpos, perfeitamente sinalizados, por entre árvores exuberantes; tais caminhos levam a incontáveis edificações destinadas às atividades da Escola Bosque. Pude ver funcionários da Prefeitura, uniformizados, fazendo a manutenção dos espaços.

A área de abrangência do Ecomuseu compreende o Distrito de Icoaraci (bairros Paracuri e Orla) estendendo-se até a região das Ilhas Caratateua (bairros São João do Outeiro, Fama e Tucumaeira), Cotijuba (comunidades Poção Seringal e Faveira) e Mosqueiro (Circuito Castanhal do Mari-Mari-Caruaru).

Icoaraci é um distrito administrativo de Belém, distante cerca de 20 km da capital, com 300 mil habitantes. Para alguns historiadores, Icoaraci significa “de frente para o sol” ou “aonde o sol repousa”. O historiador José Valente diz que Icoara significa águas e ci significa mãe. Portanto, o significado do nome seria mãe de todas as águas. As principais atividades econômicas de Icoaraci são o turismo, a pesca, o artesanato com ênfase na cerâmica, o comércio informal, indústrias e serviços públicos e privados.

O nome Mosqueiro é originário da antiga prática de moqueio do peixe pelos índios Tupinambás que habitavam a ilha.

Tivemos a oportunidade de visitar a ilha fluvial de Castanhal de Mari-Mari, localizada na costa oriental do Rio Pará, no braço sul do rio Amazonas, em frente à baía de Guajará. A Ilha tem uma área de aproximadamente 212 km2 e é ligada a Belém pela ponte Sebastião de Oliveira, com 1.485m de extensão, que atravessa o Furô das Marinhas, distante cerca de 80 km de Belém.

Conhecemos os chalés e as belezas naturais da ilha. Um bom desafio para mim foi percorrer a trilha Olhos D’Água, que se estende por 3.668m, terminando na Comunidade Caruaru, onde almoçamos. Fizemos essa trilha em um grupo pequeno, guiados pelo Renato, estagiário do Ecomuseu da Amazonia.

Assistimos apresentações de Carimbó (que adorei dançar) assim como uma apresentação infantil, com temática ambiental, que emocionou a todos. Pude voltar no tempo ouvindo relatos sobre Laïs, que percorria de barco, na companhia de cientistas, historiadores, geógrafos e ecologistas as ilhas, florestas e trilhas, levantando suas potencialidades e inventariando as atividades das populações ribeirinhas. Quis ela então que tudo aquilo fosse resgatado e hoje, cinco anos depois, se ela pudesse estar lá, veria a valorização daqueles mestres em potencial.

Na verdade, ela ainda teve a oportunidade de criar e inaugurar o magnífico “Museu de Artes e Ofícios” e ali agregar um grande número de ceramistas, com o apoio do Município.

As ações desenvolvidas pelo Ecomuseu são pautadas em três eixos: ambiental, cultural e turismo.

Por ocasião do IV Encontro Internacional de Ecomuseus e Museus Comunitários, o Ecomuseu da Amazonia pôde dispor de espaços adequados e confortáveis para o grande número de participantes nacionais e internacionais. Pudemos usufruir não só do bem montado anfiteatro para apresentações, como das modernas tecnologias que permitem a tradução simultânea de palestras. Contamos ainda com espaços aprazíveis para refeições ligeiras, onde eram servidos pratos típicos, assim como assistimos com frequência grupos de dança e apresentações de teatro ao ar livre.

Na recepção oferecida após a abertura do IV Encontro, no Centro de Eventos Benedito Nunes, na Universidade Federal do Pará, um imenso e caloroso ambiente, onde delícias da culinária regional eram servidas, encontrei muitas pessoas que conheceram Laïs e queriam contar suas lembranças; outras, que mesmo sem tê-la conhecido desenvolveram tal afinidade que chegaram a montar peça de teatro com Laïs de protagonista, improvisando seus trajes, etc... Esse era o Diogo, da Universidade Federal do Pará/UFPA. Ele virá ao Rio conversar sobre ela, pois se não me engano, quer fazer sua monografia de mestrado sobre Laïs.

No encerramento do Encontro houve a homenagem do Ecomuseu à Laïs, que foi muito emocionante, realizada justamente em Icoaraci, o reduto dos ceramistas agregados num local especial, às margens do rio onde, semanalmente, se reúnem ao lado de seus quiosques, com suas cerâmicas, para cultuar o pôr do sol cultural. Então, junto à população dançam animadamente o Carimbó, ao som de músicas regionais.

Nesse ambiente apresentei e li a carta escrita por Laïs, poucos meses antes de sua partida. A comoção foi geral! As pessoas viam em mim sua querida protetora e assim, vinham me abraçar com muito carinho e dizer o quanto a amavam. Uma kardecista presente dizia que Laïs estava ali também! Naquele momento foi gravado um pequeno vídeo com meu depoimento.

Um gigante e delicioso bolo foi servido a todos, como de praxe nos aniversários e terminamos a festa cantando os parabéns à Laïs e ao Ecomuseu da Amazonia.

Como todos os participantes, recebi uma bolsa com a logomarca do Ecomuseu, contendo folders informativos da região, um cd com músicas do Carimbó e uma bela mandala em cerâmica comemorativa do evento.

Por fim, ainda uma surpresa! Terezinha Resende nos proporcionou uma pequena excursão de taxi a Belém. Éramos quatro pessoas: Beatrice, Lurdinha e Maria Mirilande dos Santos, que nos acompanhou a pedido de nossa anfitriã. Conhecemos as docas, algo extraordinário após a reurbanização, onde almoçamos um delicioso vatapá. Tudo é imensamente grande como são, aliás, todas as docas e águas a perder de vista. Tiramos algumas fotos. Muito original é o espaço dos músicos que, como um grande elevador horizontal, percorre todo o espaço dos restaurantes e lojas de um lado para outro, todo o tempo. O Mercado Ver o Peso logo ao lado, é outra atração, mas só o vimos por fora, pois o tempo era curto, considerando que a viagem de volta seria de duas horas e muita água cobrindo a estrada. Visitamos a Catedral da Sé e toda a região Central de Belém, com imensos edifícios e a parte antiga, com suas belas construções. Na verdade, não houve tempo para assimilar tanta informação, mas pudemos ter uma visão geral da capital do Pará.







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