quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

A Coisa

poesia de Antonio Carlos Rocha:

pior que uma coisa malfeita
é a autocensura
por não ter feito
uma coisa bem-feita

e o fato de ter feito
uma coisa malfeita
aprende-se depois
a fazê-la bem-feita

não existe coisa perfeita
nem coisa refeita
o que existe é a coisa
direita ou imperfeita.

(tentativa poética a partir da leitura do texto "A Coisa", de Heidegger. A poesia encontra-se na antologia "Universitários: verso & prosa, Letras-UFRJ", José Olympio Editora, 1980).

domingo, 28 de dezembro de 2008

Crítica da Escrita

“Recebi a Crítica da Escrita, do prof. Rogel Samuel. Li-o assim que me chegou às mãos, e achei interessantíssimo o estudo. Fiquei feliz em saber, depois, pelo próprio Rogel, que devo a você a indicação para o recebimento do trabalho. Obrigado pela lembrança amiga. O prof. Rogel parece um homem inteligente, agradável e educado. Pediu-me, por carta, que lhe mandasse endereços de escritores e intelectuais que gostariam de receber seu livro. Já o fiz, com o maior prazer. Espero corresponder-me regularmente com ele, contando, assim, com mais um bom amigo aí no Rio”.

- trecho de uma carta do professor, jornalista e escritor Edmílson Caminha ao jornalista e escritor Antonio Carlos Villaça, em 04/05/1981.

Edmilson, hoje radicado em Brasília, estava em Fortaleza, e de lá escreveu ao Villaça que residia no Rio.

A carta encontra-se no ótimo livro de Caminha, O Monge do Hotel Bela Vista, ed. Thesaurus, 2008, página 49. Uma edição comemorativa dos 80 anos, caso estivesse vivo, do grande ser humano que foi Antonio Carlos Villaça.

Budisticamente falando, Villaça continua vivo ! Não apenas no âmbito da Literatura Brasileira, mas no coração e na mente de todos aqueles que tiveram a felicidade de privar de sua generosa amizade.

A obra de Edmílson Caminha tem 61 cartas que ele e Villaça trocaram, de 1980 a 1991. Mais do que um volume de memórias, O Monge do Hotel Bela Vista é uma aula imperdível, um excelente passeio cultural pelos mais variados nomes de nossa Literatura.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Arte e política

“ Ignorar a política é como enterrar a cabeça na areia.

“Gostaria de citar algumas palavras do renomado comediante e cineasta britânico Charlie Chaplin (1889-1977): “Aqueles que ignoram a situação política estão enterrando a cabeça na areia. É preciso ser louco para fazer isso e ignorar a política quando ela é tudo o que importa”. Em outras palavras, não podemos ignorar a política enquanto fizermos parte da sociedade; de fato, devemos manter uma vigilância rigorosa sobre o governo e nossos líderes políticos. Importantes pensadores e ativistas de todo o mundo salientam esse ponto.

“ Para que a democracia prospere, as pessoas precisam se tornar sábias e informadas e monitorar cuidadosamente as ações dos que estão no governo. O sr. Toda (fundador, nos anos 30, do século XX, no Japão, da linhagem budista Sokka Gakkai) era sempre inflexível com relação a não tolerar os abusos que causavam sofrimento às pessoas e nos pediu que lutássemos com toda firmeza contra a natureza maligna da autoridade. Ele também advertiu rigorosamente aqueles que haviam sido eleitos graças ao apoio de seus concidadãos para que nunca se tornassem pretensiosos, arrogantes nem presunçosos. Os políticos que são verdadeiros representantes do povo devem caminhar com o povo e por ele lutar; devem viver e morrer entre o povo – esta era a firme convicção do sr. Toda” (Daisaku Ikeda).”

Fonte: semanário budista Brasil Seikyo, ano 44, nº 1958, 04/10/2008 – http://www.brasilseikyo.com.br/

sábado, 6 de dezembro de 2008

Literatura Espírita Brasileira

Acreditamos que já está na hora de começarmos a pensar no título acima: Literatura Espírita Brasileira, mas também pode ser “Literatura Brasileira com temática Espírita”. Deste modo, o livro, os autores (espírito e médium), os leitores estarão nos proporcionando excelente material para pesquisarmos o vigor da arte literária espírita, suas interpretações, releituras, re-escrituras e afins.

Vez por outra ficamos sabendo que em alguma faculdade, por este imenso Brasil, alguém está defendo uma monografia de graduação, um trabalho de pós-graduação, uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado com um tema ligado ao Espiritismo. Eis aí uma boa sugestão de pesquisa: começarmos a catalogar que teses são essas, que trabalhos são esses ? onde foram defendidas ? etc.

No campo da pesquisa acadêmica, é uma investigação longa. Quantos romances espíritas já foram publicados? Quantos contos espíritas já foram lançados ? Quantas peças teatrais já foram escritas, editadas e encenadas ? E temos os autores clássicos, Emmanuel, por exemplo, através da psicografia de Chico Xavier, nos romances Há dois mil anos e 50 anos depois. Temos também os autores novos. Os autores espíritos e os autores médiuns. E as poesias ? e os poetas ? Nessa proposta de estudo, levamos em conta não apenas o conteúdo doutrinário, mas também investimos na análise literária. Temos observado uma gama muito grande de possibilidades para estudarmos de forma criativa (partindo dos pressupostos da Ciência da Literatura) os romances espíritas, os contos, as crônicas, as peças teatrais, as letras de música, as poesias e assim estaremos semeando os textos espíritas no âmbito da Literatura Brasileira.

Podemos então ver em Chico Xavier e outros, não apenas o grande médium e psicógrafo que foi, mas também um grande escritor, um notável romancista, um ótimo contista, um criativo poeta, um brilhante cronista etc.

O assunto é também, um bom tema para a Literatura Comparada, por exemplo: as obras de um determinado autor quando encarnado e as obras desse mesmo autor, já desencarnado.

Verificamos então, que o alcance da Literatura Espírita Brasileira é bem amplo. Fica desde já a sugestão para que estudantes e professores, espíritas ou não, no campo das faculdades de Letras, comecem a pensar e refletir no que escrevemos acima.

A produção editorial espírita no Brasil atualmente é muito boa, grande e significativa. Sem dúvida, merece estudos e pesquisas. Quem concordar, mãos à obra !

(*) Professor de Literatura com mestrado e doutorado em Letras na UFRJ.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

José Saramago, bem antes do Prêmio Nobel

JOSÉ SARAMAGO, BEM ANTES DO PRÊMIO NOBEL

Antonio Carlos Rocha*

O sol estava frio, naquela manhã de inverno em Lisboa, fevereiro de 1980. Entro numa tasquinha (como os portugueses costumam chamar os seus botequins) e encontro com a escritora e crítica literária Maria Lucia Lepecki, brasileira, mineira, radicada em Portugal, desde a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974. Ela também é professora titular de Literatura Portuguesa da Universidade Clássica de Lisboa.

- Ainda bem que vocês apareceram ! Que tal hoje à noite irmos à Casa do Alentejo, vai ter o lançamento do livro do Saramago.

Sentamos eu e minha mulher, nossa filha Vera ainda repousava no ventre de Heloisa, em pose fetal curtia os ares lusitanos.

Enquanto tomávamos o café da manhã, Maria Lúcia foi explicando:

- O José Saramago lança hoje o Levantados do chão. Um romance magnífico. Eu li quando estava ainda no original datilografado. É que eu sou muito amiga dele. No começo fiquei apreensiva, pois o livro começa brilhante, de forma inusual, inusitada para as tradicionais letras portuguesas. É uma virada histórica.

Ou como os portugueses costumam falar, uma “viragem”. Podem não ter sido estas as palavras de Lepecki, mas o sentido vale.

À noite, um simpático bondinho ou “elétrico” se preferirem, nos levou até a Casa do Alentejo, em uma ruazinha próxima ao Rossio, no coração da capital.

O ambiente cheio e festivo nos iniciava no lançamento. Na verdade, era um jantar, festa, com discurso e tudo o mais. Tinha até um Coral de Camponeses vindo diretamente do Alentejo, a região do latifúndio antes do 25 de abril e que nessa época, pós-revolução dos cravos, estava recheada de “comunas”, lotes, trechos de terra da Reforma Agrária que eles chamavam de UCPs – Unidades Coletivas de Produção.

No movimentado salão procuro a mesa onde Maria Lúcia nos espera, sentamos e, para surpresa, verifico que era uma mesa comprida e mais alguns lugares vazios. Logo depois chegam os “donos” dos lugares: o primeiro-ministro do 25 de Abril, Vasco Gonçalves e esposa, mais o General Costa Gomes e senhora, líderes do MFA – Movimento das Forças Armadas que derrubou a ditadura salazarista e depois caetanista de 48 anos e ocuparam o primeiro governo revolucionário de Portugal, em pleno século XX. Logo a seguir sentam conosco o poeta Armindo Rodrigues e a estrela da noite, o escritor José Saramago.

Nessa época, a Casa do Alentejo era uma espécie de centro cultural do Partido Comunista Português e significativos nomes da intelectualidade lusitana faziam parte.

No momento em que foi autografar o meu exemplar, Saramago abraçou-me e exclamou: “Ó pá, lá vocês tem uma grande, que muito me inspirou, o Guimarães Rosa”. Retribuindo o abraço, sorri e agradeci.

Na época de Salazar, o Alentejo era uma região muito perseguida, foi lá que o PCP organizou a resistência e os campônios sempre bem articulados, deram muito trabalho à PIDE, a extinta polícia política do ditador. O romance Levantados do chão fala desse tempo, dessa época, desses sonhos, ideais e utopias.

Enquanto a fila de autógrafos aumentava, o Coral dos Camponeses encantou e cantou, desde a Internacional até músicas folclóricas do Alentejo e populares da terra de Camões. Depois, representantes da juventude comunista falaram.

Em dado momento o silêncio se fez e a “doutora”, como era camaradamente chamada, a Maria Lúcia resumiu o que me havia contado pela manhã:

“No começo eu fiquei preocupada, pois era uma inovação literária muito grande, enquanto estava lendo os originais datilografados eu não sabia se Saramago ia ter pique para levar até o fim do romance aquele ímpeto, aquela garra, aquela novidade. E de fato foi”.

Tanto foi, que está aí até hoje, o primeiro Prêmio Nobel da Literatura em Língua Portuguesa.


(*) Antonio Carlos Rocha é doutor em Letras, na UFRJ.

sábado, 1 de novembro de 2008

Poesia

Abaixo o “terrorismo purista”
Pelas Liberdades Gramaticaes
Viva a Lingüística !

Antonio Carlos Rocha

Queridos gramáticos:
Como os senhores bem sabem
Não há jeito que dê jeito
Da gente falar direito.

É tanta regrinha
Impossível gravar
Ninguém mesmo usa
Na hora de falar.

Os senhores também sabem
Que o falar muito varia
De pessoa, de lugar
Da noite para o dia.

Por que essa fixidez?
Normas tão duras !
Não é uma beleza
O falar das ruas?

Seja lá o que for
Fenômeno ou evolução
É falar e ouvir
Criar a oração

Então, essa tal de
Louçania da linguagem
No fundo, no fundo
Me cheira a bobagem

Pois como disse Manuel Bandeira:
“A língua errada do povo.
A língua certa do povo”.

Não me levem a mal, mas
Não sejamos radicaes
Nem tantas, nem tão poucas
Convenções gramaticaes

Gramática e cachaça
É tudo uma coisa só
Queridos senhores
De nós, tenham dó.

Não adianta fardão
Sem ser, erudito,
É o povo quem decide
É só, tenho dito.

sábado, 6 de setembro de 2008

Revista Tempo Brasileiro, nº 171

Acaba de ser lançado, mais um volume, 192 páginas, desta importante publicação trimestral. “Permanência e Atualidade da Poética” é o tema de reflexão:

“O presente número deve-se à iniciativa de Manuel Antonio de Castro, Professor Titular de Poética, do Programa de Pós-Graduação de Ciência da Literatura – Área de Poética/Faculdade de Letras da UFRJ, tendo sido co-organizado pelo Prof. Jun Shimada de Vasconcellos Brotto”.

Eis o sumário:

Antonio Jardim – Apenas um convite ... 5.
Manuel Antonio de Castro – Poética:permanência e atualidade ... 7.
Emmanuel Carneiro Leão – Permanência e atualidade do poético: lógos, mýthos, épos ... 33.
Gilvan Fogel – O desaprendizado do símbolo (a poética do ver imediato) ... 39.
Maria Lúcia Guimarães de Faria – Bachelard e a permanência poética ... 53.
Carlos Alberto Murad – Fotopoética e o pensamento da imagem criadora ... 75.
Werner Aguiar – Poética da interpretação musical ... 89.
Fábio Santana Pessanha – Poética do teatro – reunião de corpo, terra e mundo -101.
Andréa Copeliovitch – A noite do Sagrado ... 115.
Cláudia Andréa Prata Ferreira – Poesia – palavra – linguagem na narrativa bíblica .. 129.
Ronaldes de Melo e Souza – Poética da narrativa de primeira pessoa ... 141.
Antonio Carlos Pereira Borba Rocha – Diálogo com Chuang Tzu hoje ... 161.
Jun Shimada de Vasconcellos Brotto – Os três lobos da estepe e a aprendizagem do mistério ... 175.

A revista, que circula no âmbito das faculdades de letras em todo o Brasil, já está nas livrarias especializadas, pode também ser solicitada no site: www.tempobrasileiro.com.br

domingo, 27 de julho de 2008

Fernando Pessoa Hoje

Fernando Pessoa deixou, dispersa por folhetos, jornais e revistas, uma imensa obra literária, constituída por mais de 25.000 documentos originais, a grande maioria não publicados em vida. Aliás, Pessoa, enquanto tal, só publicou, e tardiamente, um volume de poesia – Mensagem – aprontado em 1934. Por tudo isso, a consagração nacional e internacional só surgiram posteriormente.

O conjunto dos seus escritos apresenta-se assinado com o seu nome e por vários “heterônimos” – Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Bernardo Soares etc -, que tem sido considerados autores fictícios por ele criados. Mas o poeta dizia não se tratar de pseudônimos, antes de personalidades distintas, com estilos próprios. Hoje há quem considere que muito do que escrevia era psicografado, ou seja, Pessoa seria apenas o meio através do qual alguns seres já fisicamente mortos se expressavam.

Em carta de junho de 1916 à sua tia Anica, já o autor afirmava: “Aí por fins de Março comecei a ser médium. Imagina !... Comecei, de repente, com a escrita automática. Estava uma vez em casa, de noite, tendo vindo da Brasileira (cafeteria), quando senti a vontade de, literalmente, pegar numa caneta e pô-la sobre o papel. É claro que depois é que dei pelo facto de que tinha tido esse impulso... De vez em quando, umas vezes voluntariamente, outras obrigado, escrevo”.

E, mais adiante, na mesma carta: “Guardo, porém, para o fim o detalhe mais interessante. É que estou desenvolvendo qualidades, não só de médium escrevente mas também de médium vidente. Começo a ter aquilo a que os ocultistas chamam a visão astral, e também a chamada visão etérica... Há momentos, por exemplo, em que tenho perfeitamente bocados de visão etérica – em que vejo a aura magnética de algumas pessoas, e, sobretudo, a minha ao espelho e, no escuro, irradiando-me das mãos. Não é alucinação porque o que eu vejo outros vêem-no... A visão astral está muito mais imperfeita. Mas, às vezes, de noite, fecho os olhos e há uma sucessão de pequenos quadros, muito rápidos, muito nítidos (tão nítidos como qualquer coisa no mundo exterior)... E há - o que é uma sensação muito curiosa – por vezes o sentir-me de repente pertença de qualquer outra coisa. O meu braço direito, por exemplo, começa a ser-me levantado no ar sem eu o querer. (É claro que posso resistir, mas o fato é que não o quis levantar nessa ocasião). Outras vezes sou feito cair para um lado, como se estivesse magnetizado, etc... Não sei se realmente julgará que estou doido. Creio que não. Estas coisas são anormais sim, mas não antinaturais”.

- trechos do livro À janela da vida, do médico e escritor português Luís Portela, Edições Asa, Lisboa, 1997, p. 160 a 162.

sábado, 24 de maio de 2008

A Inspiração Espiritual na Criação Artística

A autoria deste livro é da escritora, professora e poetisa Cristina da Costa Pereira. A primeira edição saiu pela editora Lachâtre, de Niterói, em 1999; a segunda pelas edições Celd, em 2002 e a terceira, agora, neste ano de 2008, também pela Celd, que fica em Bento Ribeiro, RJ. Visite http://www.celd.org.br

Assim explica a autora: “A proposta deste livro é sugerir que a inspiração do artista pode também lhe chegar pela via espiritual e, nesse momento específico, ou o artista perceberá a sua voz interior, o seu próprio espírito, com toda a bagagem adquirida ao longo das várias encarnações, ou será uma antena, exercendo um tipo de mediunidade, o que lhe exigirá disponibilidade e humildade, através da consciência de que, por vezes, ele é um canal da espiritualidade para conduzir a arte à Terra.

Isto sem nos esquecermos do sonho, pois, durante o sono, ao se libertar da matéria, outros espíritos podem inspirar-lhe músicas, poesias, pinturas, coreografias etc.

A criação do artista parece-me então marcada de fenômenos anímicos e mediúnicos.

E isto, em absoluto, não significa que não há todo um árduo trabalho do artista no sentido de burilar, aprimorar sua criação. Paralelamente à inspiração, existe a necessidade da busca de informação, de pesquisa intensa, de estudo teórico e prático.

Não partilha este livro a idéia de que a obra cai pronta na mente, nas mãos do artista, como num passe de mágica, nem se tem a intenção de tirar o mérito e o valor do artista.

É preciso também ressaltar que neste livro não trataremos da arte mediúnica, pois já há uma vasta literatura neste sentido.

Interessa-nos abordar aqui a relação que se processa entre os componentes material e espiritual na criação de uma obra de arte. Se o artista consegue processar estes dois elementos com harmonia, despojando-se da vaidade e desvestindo-se da arrogância, tanto melhor”.

(Cristina é autora também de outros livros que, mais adiante, resenharemos).

sábado, 22 de março de 2008

Espaço e Tempo

“Vários autores têm sublinhado que espaço e tempo são noções relativas, que não existem em termos absolutos, sendo apenas uma questão de perspectiva; à medida que modificamos a nossa perspectiva, experimentamos a realidade de formas diferentes.

“Tal como se olha para uma pedra aos nossos pés e se vê a pedra, nesse preciso momento e nesse lugar, inteira, completa e perfeita. Mas, mesmo na fração de momento em que a pedra se mantém na nossa percepção, passam-se muitas coisas nela – um movimento incrível, a uma velocidade incrível, das partículas (átomos, prótons, nêutrons e partículas subatômicas) dessa pedra. E que fazem essas partículas? Fazem da pedra o que ela é.

“Ao olharmos para essa pedra, não vemos este processo. Mesmo que, conceptualmente, estejamos conscientes dele, para nós está tudo a acontecer “agora”. A pedra não se está a tornar uma pedra; é uma pedra, aqui e agora mesmo.

(...)

“Assim sendo, os fenômenos “espaço” e “tempo” são funções da perspectiva. Se resolvermos assumir uma perspectiva diferente poderemos deixar de ver a micro-realidade para passar a ver a macro-realidade. Ou vice-versa. Ou poderemos passar a perspectivar em simultâneo a micro e a macro-realidade.

“O “espaço” e “tempo” serão, então, perspectivas; não existem nem deixam de existir. À medida que cada ser vai modificando a sua perspectiva, vai experimentando a realidade de uma forma diferente. Provavelmente cada vez mais abrangente. Provavelmente cada vez mais próxima do Todo, desde o infinitamente pequeno até o infinitamente grande”.

- PORTELA, Luís. Encarar a realidade. Porto, Asa, 2004, págs. 21 e 22.

(o autor é médico, escritor e jornalista português).

domingo, 16 de março de 2008

Metáfora Rural

“Para muitos que leram Heidegger não ficou instantaneamente claro de que diabo ele está falando. Felizmente o próprio Heidegger tinha consciência dessa dificuldade e da necessidade de tratar dela. Para esclarecer seu pensamento nesse ponto, usou simples uma metáfora rural. O método para compreender a questão do ser, disse, era como o de abrir uma clareira na floresta. Limpamos a mata cerrada e a vegetação rasteira de modo que a luz possa se irradiar no terreno da clareira. A palavra alemã Lichtung, que significa “clareira”, contém a palavra Licht, que significa “luz”. Espalhamos luz sobre o terreno limpo que está oculto sob o que é imediatamente aparente. Expomos seu substrato, que é assim “desvelado”.

Mesmo para Heidegger, porém, há uma dificuldade aqui. Quando pomos à mostra o ser que estava velado, nós o desvelamos. Ele chama o que é desvelado aletheia. Essa é a antiga palavra grega para “verdade” – mas significa também não-esquecimento ou desvelamento. No entanto, segundo Heidegger, esse mesmo desvelamento produz velamento, encobrimento. Como pode ser isso? Ao desvelar revelamos o ser de um modo, mas ao mesmo tempo velamos todas as suas outras possibilidades. Ao escolher uma revelação, bloqueamos as outras revelações possíveis. Isso explica como o ser pode ter uma história, que não é necessariamente de progresso. O que os gregos antigos revelaram do ser perdera-se agora para nós em nossa revelação tecnológica do ser. Nosso desvelamento resultara em ocultamento”.

STRATHERN, Paul. Heidegger em 90 minutos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2004, págs. 41 e 42.

sábado, 15 de março de 2008

Heidegger e o Sagrado: uma leitura budista

Tese de Doutorado de Antonio Carlos Pereira Borba Rocha na Faculdade de Letras da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, defendida em 26 de abril de 2007.

Tese completa em PDF, 235 páginas, acesse:

www.ciencialit.letras.ufrj.br/trabalhos/2007/antoniocarlospereira_umaleitura.pdf-

domingo, 9 de março de 2008

Bloglit Memórias de Lásaro

“Entrei na fase reflexiva em que resolvi mudar de vida. Depois de muitos conflitos comigo mesmo decidi dar um tempo, (...) por isso larguei tudo, entrei em uma fase, digamos Zen de vida.

Eu passei a encarar seriamente, pela primeira vez na vida, um problema existencial de frente, surpreendi-me recentemente quando procurava finalizar estas memórias, haver anotado em uma caderneta de endereços as observações que se seguem, deste período de profundas reflexões. “Mesmo o mais descrente dos homens em momentos de aflição, quando no limite da existência corpórea, quando o seu espírito se encontra despedaçado, a alma em frangalhos, olhando para todos os lados e não vislumbrando uma única saída do labirinto em que está sucumbido, é capaz de apelar para qualquer ente transcendente que lhe esteja acima de seu domínio de percepção, seja Ele chamado Deus, ou um Poder Superior a nós mesmos. Ele tenha ou não a existência em si mesmo, é chamado por nós na esperança de aliviar a nossa dor, de nos tirar do buraco, daquele infortúnio sem saída, dentro do campo da razão ditada pela lógica do ser. É aí que ele descobre a Fé como único meio de salvação, não uma salvação futura, mas imediata”.

(trechos do livro Memórias, de Lásaro Venceslau dos Santos, Editora Caetés, 2008, p. 111 e 112).

- O autor nasceu em Francisco Santos, Piauí, reside no Rio de Janeiro desde 1968, é professor de matemática e física na rede estadual.

sábado, 8 de março de 2008

Quem escreveu a "Divina Comédia" ?

“Simplesmente de pasmar as descobertas sensacionais que a alta pesquisa histórica moderna está realizando no campo das instituições e quanto à autoria das grandes epopéias da humanidade; por exemplo: a instituição do Salteo ou dos alfaqueques, ambas por nós descobertas e, por incrível que pareça, a autoria da própria Divina Comédia atribuída a Dante Alhigieri, pois bem, saibam todos, que a maior epopéia do renascimento não é de Dante Alhigieri, como até agora estudávamos e ensinávamos: ela é cópia quase literal dos ensinamentos da escola mística muçulmana-espanhola de Ibn-Massarra, como prova de maneira irrefutável o grande arabista espanhol, professor Assim Palácios, na sua imortal obra intitulada “La Escatologia Muçulmana en la Divina Comedia”, que, por incrível luxo de detalhes, prova extremos tão curiosos como os conhecimentos da gíria siciliana por parte de Dante Alhigieri.

Por exemplo: existe na Divina Comédia dois versos que ninguém até hoje soube traduzir. E sabem o que esses versos dizem? Pois pasmem: são dois solenes palavrões utilizados na gíria árabe da Universidade Siciliana de Palermo, onde reinava Frederico II, íntimo amigo e protetor de Dante Alhigieri e tão arabizado, apesar de ser cristão caudatário do Papa, que até harém possuía; e que como diz o velho ditado espanhol: “Lo Cortés no quita lo valiente”.

Nem o famoso Bartolomeu Mitre, presidente da República Argentina, foi capaz de traduzir os ditos versos na sua versão espanhola da Divina Comédia; o autor de tão hilariante descoberta foi nada mais nada menos que o nosso modesto e despretensioso professor Kurban, recentemente falecido, nesta mesma metrópole paulistana”.

(trechos do livro Mundo árabe berço da civilização, Fearab – Brasil – Confederação de Entidades Árabe-Brasileiras, 2006, p. 37 e 38).

quarta-feira, 5 de março de 2008

Poesia Bosquímana

autor: Nils-Aslak Valkeapää

Eles vêm a mim
E mostram livros
Livros de direito
Que eles mesmos escreveram
“Esta é a lei e ela também se aplica a você
Veja”

Mas eu não vejo irmão
Eu não vejo irmã
Eu não posso dizer nada
Eu só lhes mostro a tundra

Eu vejo nossas montanhas
Os lugares em que vivemos
E escuto a batida de meu coração
Tudo isso é meu lar
E eu o carrego
Dentro de mim
Em meu coração

Eu posso ouvi-lo
Quando eu fecho os olhos
Eu posso ouvi-lo

E eu posso ouvi-lo
Mesmo quando eu abro meus olhos

Mas eles continuam vindo e perguntando
Onde é seu lar

Eles vêm com papéis
E dizem
Isto não pertence a ninguém
Isto é terra do governo

Tudo pertence ao Estado

Eles trazem livros velhos e grossos
E dizem
Esta é a lei
Ela se aplica a você

O que devo dizer irmã?
O que devo dizer irmão?

Você sabe irmão
Você entende irmã.”

(in pág. 133, do excelente livro Minhas Memórias de África – uma viagem pelo caminho interior, de autoria do brasileiro Thomas Paul Bisinger. Edição do Autor, 2007, 176 páginas, dezenas de fotos coloridas e em preto/branco).

domingo, 2 de março de 2008

Diálogo

"Percebi que o diálogo é um gênero literário, uma forma indireta de escrever"

- Jorgel Luis Borges (in Borges em diálogo, 1988).

domingo, 24 de fevereiro de 2008

O Amante das Amazonas

Este romance, inspirado em fatos reais, históricos, conta a saga do ciclo da borracha, do apogeu e decadência do vasto império amazônico, na maior floresta do mundo.

Cerca de cem volumes da época foram lidos e mais de dez anos de trabalho necessários para escrever esta obra ímpar na literatura brasileira.

O autor (www.geocities.com/rogelsamuel) é professor aposentado adjunto doutor do Departamento de Ciência da Literatura na Universidade Federal do Rio de Janeiro e já publicou os seguintes livros: Crítica da escrita, 1979; Manual de teoria literária, 14 edições e Literatura básica, em três volumes, ambos pela editora Vozes, 1985; O que é Teolit?, ed. Marco Zero, 1986; 120 poemas, ed. Aió, 1991 e o Novo Manual de teoria literária, lançado em 2005, já está na quarta edição pela ed. Vozes.

Além disso tem várias centenas de artigos, crônicas, contos e poemas em jornais e na internet. É o editor da Revista Eletrônica, vide site acima, webjornalista (http://br.groups.yahoo.com/group/cronicasdesabado/). Colunista de ( www.blocosonline.com.br ), o maior portal de literatura no Brasil.

Amazonense de Manaus, Rogel Samuel nasceu em 1943, filho de francês com brasileira. Seu avô alsaciano foi rico comerciante de borracha na amazônia, no início do século XIX.

A narrativa mistura ficção e fatos reais, contados por testemunhas, e transcreve um conjunto de acontecimentos do apogeu e da decadência daquele império amazônico, além de relatos de “Jaguareté, o guerreiro”, de Albert Samuel, seu pai, navegador por 40 anos na Amazônia, com quem conheceu a floresta.

Apesar de tudo – alerta o editor – qualquer semelhança ainda é mera coincidência.

Esta é a segunda edição de O amante das amazonas, já nas livrarias de todo o Brasil, com o timbre da Editora Itatiaia, de Belo Horizonte.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

No Princípio era a Fábula

“Lógica” procede da palavra logos, que originária e propriamente significou “fábula”, no italiano traduzido por favella (que corresponde, em português, à “faculdade de falar”, ou língua, conforme observa em nota o tradutor, Antonio Lázaro de Almeida Prado). E a fábula também se chamou para os gregos müthos, que resulta para os latinos mutus, pois, nos tempos mudos (ne’ tempi mutoli) nasceu como linguagem mental – eis que Estrabão, num passo áureo, disse ter a linguagem mental aparecido antes da linguagem vocal, isto é, antes da articulada. Por isso, logos tanto significa “idéia” quanto “palavra”.

PIGNATARI, Décio. Semiótica da arte e da arquitetura. São Paulo, Cultrix, 1981, p. 22.

Algumas edições da Bíblia nos informam que logos equivale a verbo em português. Partindo do que nos fala Pignatari, podemos (com todo respeito e reverência, visto que este é um blog de estudos e pesquisas) reescrever os versículos 1 a 4, do primeiro capítulo do Evangelho de João da seguinte forma:

1 No princípio era a Fábula, e a Fábula estava com Deus, e a Fábula era Deus. 2 Ela estava no princípio com Deus. 3 Todas as coisas foram feitas por intermédio dela, e, sem ela, nada do que foi feito se fez. 4 A vida estava nela e a vida era a luz dos homens.

(conferir: Bíblia de Estudo de Genebra. Cultura Cristã/Sociedade Bíblica do Brasil. São Paulo, 1999, p. 1228).

Ao reescrever procedemos a uma re-escritura. E meditamos então sobre a importância da Fábula em nossas vidas.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Heidegger and the Holy. A buddhist reading

ROCHA, Antonio Carlos P. B. Heidegger and the Holy. A buddhist reading. Rio de Janeiro. Letters College - UFRJ, 2007, PhD thesis in Literature Science – Poetics.

SUMMARY

Our thesis's proposition is to try to show the deep similarities between the thoughts of the german philosopher Martin Heidegger, in the first half of the XXth century, and Sidarta Gautama, who since the VIth century bC. and all along these two milleniums and a half is known as “the Buddha”, “the illuminate”, “ the awaken”.

We emphasize the verb “try” because we do not have a closed, a finished, a concluded intention. By the way, such a determinist point of view does not agree with the principles neither of the german thinker's work nor of the Buddhism. We raise questions and we signalize the closeness of some approaches concerning life, reality and art.

Among the vast work of Heidegger we detach the book Memorial Adress, yet unpublished in Brazil but edited in Portugal. It seemed to us an authentic guide of buddhist meditation, full of the philosophical jargon that distinguishes Heidegger, who created a whole original language, almost a dialect; hermetic, accessible to the initiated, the chosen ones. The three texts that compose this volume date from 1944/45, 1954 and 1955, when the Zen-budhism was in “fashion” in Europe and in Occidental world.

Another text that we detach is the chapter “A dialogue on language”, from the book On the way to language. In the dialogue it remains evident that the thinker from the Black Forest had japanese students, that he knew about the existence of some japanese buddhist philosophers (monks) and that he experienced even a little bit of the nipponic culture through the film Rashomon, from the japonese motion picture director Akira Kurosawa.

We tried also to make a parallel between the Heidegger's basic work, Being and time, and the book The time being, from the japanese buddhist monk Dôgen (1200-1253), considered as the founder of the philosophical thinking in Japan. Uji, the japanese original title for this work, was written in 1240.

The originality of our thesis resides in the fact that, until a contrary proof, we do not know “any buddhist reading of the Martin Heidegger's work” in the brazilian academic field. We did not find anything similar in any mentioned and consulted bibliography, including some important libraries in Rio de Janeiro, as the considered National Library and the Library of the Letters College of UFRJ, and also several thesis database.

What we are suggesting here is a provocation in the academic sense. In a certain way, we recognize that “to read” Heidegger under the Oriental optics is an effrontery, however it was in this form that his texts appeared to us.

The so anthropocentric, cartesian, logical Occidental world needs to accept the contribution of the Oriental thinking, and particularly, of the buddhist thoughts, moreover during this globalization times. Here is our position for the debate. We repeat that we are not closed, neither ready nor finished, we are beginning, with this thesis, the discussion in the brazilian university.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Religião e Poesia

“Assim, tanto a Religião como a Poesia são formas de revelação do encontro do homem com o sobrenatural, com o que o rodeia e ele não tem olhos para ver, como se diz em várias passagens da Bíblia. A linguagem da Religião está fundada no símbolo, quer dizer, é absoluta, é vertical, de cima para baixo, impositiva; ao passo que a Poesia parte do signo, é horizontal como o discurso e se abre para o imaginário de cada um.

A Poesia é por isso o exercício maior de nossa liberdade de ser: através dela tomamos contato com uma categoria de “sagrado” que não é bem o sobrenatural, mas uma saída do comum, da linguagem comum que nos achata, que nos faz igual a todo mundo, que ilude a nossa individualidade. A liberdade de que falamos está na possibilidade de escolhermos as nossas palavras e de organizá-las segundo o nosso gosto, de investir nelas as significações mais caras às nossas emoções e ao nosso imaginário. Aí está a criação na poesia: o poeta foge da linguagem de todo mundo, ordenando-a de outra maneira, construindo dentro dela o seu cosmo particular, que é o poema, objeto verbal artisticamente estruturado. Nisso ele procede como Deus: parte do caos e da criação para o cosmo do poema e da poesia. Ele também pronuncia, mas para dentro da escrita.

Nesta concepção, o poema provém de um ritmo que passa pelo mais íntimo do poeta, repercute no cosmo cultural e toca, em última instância, o Logos do Criador. Um ritmo que se faz musicalidade para revelar os estados emocionais e inconscientes ainda não tocados pelo sentimento ou pela razão, um ritmo mágico, que fascina como um sortilégio na linguagem, um ritmo sagrado que se torna litania, oração e prece.

Como nada é conclusivo, continuamos em busca de elementos novos para a construção, não definitiva, do que poderá ser um dia uma possível Filosofia da Criação Poética”.

(Gilberto de Mendonça Teles. Sortilégios da criação. Edições Galo Branco, 2005, págs. 61 a 63).

domingo, 10 de fevereiro de 2008

A impossibilidade da Completação

“Heidegger nunca completou seu tratado sobre a impossibilidade da completação. (...) Outra alternativa é ver Ser e tempo como que aguardando ser completado pelo trabalho de outros, (...) As maiores aventuras do pensamento do século XX, em outras palavras, podem ser pouco mais que uma série incompleta de notas de rodapé a Ser e tempo de Heidegger”.

Jonathan Rée. Heidegger. Unesp, 2000, pp. 63 e 64.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Poesia e Filosofia

“Dentro do conceito de uma filosofia da ciência literária, assim como queriam os alemães por volta de 1930, tentarei estabelecer, da maneira mais sintética possível, uma impossível unidade de idéias em torno do termo POÉTICA, que designa nos meios especializados uma ciência cujo objeto é toda a literatura – criação e arte, gêneros e formas, texto e contexto, autor e leitor, enfim, uma matéria aparentemente sem “fronteiras”, e que, situando-se no seu tempo e espaço, abre-se utopicamente para outros tempos e espaços do imaginário de todos os tempos.

A constituição da Poética como Ciência da Literatura, iniciada com Aristóteles e prolongada no Ocidente sobre os princípios da geometria euclidiana, foi-se fazendo dentro das Ciências Humanas, com o material recortado da Filosofia, da Filologia, da Gramática e da Retórica. No Oriente, a ciência desenvolveu-se não com a lógica mas com a analogia e com a álgebra, possibilitando, pelo tipo especial de cada escrita, um modo visual e anagógico de se pensar a produção literária.

Mas para a compreensão mais profunda do conceito de Poética, preferimos trata-la como Ciência da Poesia, como, aliás, o quer o grupo de Liège. E tanto no Ocidente como no Oriente, é preciso que ela seja percebida nos seus dois sentidos fundadores: um que trata da invenção, da criação ou da recriação; outro que olhe sobre essa criação, que olhe, que ache conforme e que a julgue de algum valor como forma artística, assim como Deus fez com a sua Criação.

Elas são as duas faces da moeda literária – uma que, a priori, especula a fenomenologia criadora; outra, a posteriori, que examina o sentido de originalidade da obra em consonância com o cânone e com os elementos novos que essa obra acrescenta à tradição”.

(trechos do discurso de posse de Gilberto Mendonça Teles na Academia Brasileira de Filosofia, 2005: “Para uma Filosofia da Criação Poética”.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Interpretação e Filosofia

“Como se entrosam e se diferenciam as filosofias? A única força histórica constatável, da qual resultam as alianças, os transportes e as modificações desses conjuntos teóricos, é a interpretação de um filósofo por outro. A história da filosofia não é senão o campo serenado dos conflitos e antagonismos que precedem essas transformações (...). É um fato, porém, que a interpretação sempre conduz esse processo, qualquer que seja o modelo utilizado, ou de derivação, pelo qual uma filosofia se origina de outra, ou de conjunção, quando uma se casa com outra. Não será descabido afirmar que quanto mais se multiplicam os atos interpretativos de uma filosofia, mais a sua identidade própria se robustece.

Pode-se interpretar uma filosofia guardando-se distância de seu pensamento; mas também pode o intérprete assimilar esse pensamento, fazendo-o seu. Heidegger interpretou Nietzsche, integrando-o ao seu modo próprio de pensar. De qualquer forma, quem interpreta está identificando o interpretado. Que identidade filosófica Heidegger atribui a Nietzsche?

É preciso considerar, antes de mais nada, que essa assimilação de Nietzsche não é, como ato de interpretação, apropriativo de uma outra filosofia, um dado extraordinário, isolado, do fazer filosófico em Heidegger. Singularizado pela questão do ser, inerente à definição mesma do Dasein, como ser-no-mundo, o pensamento de Heidegger tem no ato de reinterpretar todas as grandes filosofias da Antiguidade grega, da Idade Média e da época moderna, conferindo-lhes, portanto, novas identidades, o princípio mesmo de sua economia interna ou, se quisermos, de sua endogenia”.

(Benedito Nunes in O Nietzsche de Heidegger. Pazulin Editora, 2000, pp. 15 a 18).

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Crítica contemporânea

“O papel do crítico contemporâneo é, portanto, tradicional. A questão fundamental do presente ensaio é recordar à crítica sua função tradicional, e não inventar para ela alguma nova função que esteja na moda. Para uma nova geração de críticos da sociedade ocidental, “literatura inglesa” é hoje um rótulo herdado para designar um campo dentro do qual se congregam muitas preocupações distintas: semiótica, psicanálise, estudos cinematográficos, teoria cultural, representatividade sexual, textos populares e, sem dúvida, a convencional apresentação dos textos mais antigos. Essas atividades não mantêm entre si nenhuma relação óbvia, a não ser a preocupação com os processos simbólicos da vida social e com a produção social de formas de subjetividade. Em termos da história cultural, os críticos que vêem essa busca como modernosa e novidadeira estão equivocados. Elas representam uma versão contemporânea dos temas mais caros à crítica, antes que esta fosse levada à pobreza do chamado “cânone literário”. Além disso, podemos argumentar que essa indagação poderia contribuir, ainda que modestamente, para nossa sobrevivência. Afinal, fica cada vez mais claro que, sem uma compreensão mais profunda desses processos simbólicos, através dos quais o poder político é exercido, reforçado, rechaçado e, às vezes, subvertido, seremos incapazes de resolver as mais letais lutas pelo poder com as quais nos defrontamos atualmente. A crítica moderna nasceu de uma luta contra o Estado absolutista; a menos que seu futuro se defina agora como uma luta contra o Estado burguês, é possível que não lhe esteja reservado futuro algum“.

- A função da crítica, de Terry Eagleton, São Paulo, Martins Fontes, 1991, p. 115 e 116.